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Penalidades
Os artigos 9, 10 e 11 da Lei 8.429 de 02/06/1992 definem diversas condutas que caracterizam improbidade administrativa, alguns tão genéricos que sua aplicação gera polêmica, que vem sendo mitigada por diversas decisões do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE DIÁRIAS. ART. 10, CAPUT, DA LEI 8.429⁄92. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. MÁ-FÉ. ELEMENTO SUBJETIVO. ESSENCIAL À CARACTERIZAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE. SANÇÕES. DOSIMETRIA. CUMULATIVIDADE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE (ART. 12, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 8429⁄83). VIOLAÇÃO AO ART. 535. INOCORRÊNCIA.
1. O caráter sancionador da Lei 8.429⁄92 é aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: (a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); (b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); (c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa.
2. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador.
3. A improbidade administrativa está associada à noção de desonestidade, de má-fé do agente público, do que decorre a conclusão de que somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição legal, é que se admite a sua configuração por ato culposo (artigo 10, da Lei 8.429⁄92).
4. O elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa, sendo certo, ainda, que a tipificação da lesão ao patrimônio público (art. 10, caput, da Lei 8429⁄92) exige a prova de sua ocorrência, mercê da impossibilidade de condenação ao ressarcimento ao erário de dano hipotético ou presumido. Precedentes do STJ: REsp 805.080⁄SP, PRIMEIRA TURMA, DJe 06⁄08⁄2009; REsp 939142⁄RJ, PRIMEIRA TURMA, DJe 10⁄04⁄2008; REsp 678.115⁄RS, PRIMEIRA TURMA, DJ 29⁄11⁄2007; REsp 285.305⁄DF, PRIMEIRA TURMA; DJ 13⁄12⁄2007; e REsp 714.935⁄PR, SEGUNDA TURMA, DJ 08⁄05⁄2006;
5. In casu, a ausência de má-fé (elemento subjetivo) dos demandados E.O. M. e L. M. M. representado por seu espólio, coadjuvada pela inexistência de obtenção de proveito patrimonial, conforme consta do voto condutor do acórdão recorrido, revela error in judicando a analise do ilícito apenas sob o ângulo objetivo.
6. Ademais, a exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429⁄92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve se realizada com ponderação, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público e preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além do que o legislador pretendeu.
7. Outrossim, é cediço que não se enquadra nas espécies de improbidade o ato praticado por administrador inepto. Precedentes: Resp 1149427⁄SC, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17⁄08⁄2010, DJe 09⁄09⁄2010; e REsp 734984⁄SP, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18⁄12⁄2008, DJe 16⁄06⁄2008.
8. As sanções do art. 12, incisos I, II e III, da Lei nº 8.429⁄92, não são necessariamente cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria; em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que, evidentemente, perpassa pela adequação, necessidade e proporcionalidade estrito senso, aliás, como deixa entrever o parágrafo único do referido dispositivo, a fim de que a reprimenda a ser aplicada ao agente ímprobo seja suficiente à repressão e à prevenção da improbidade.
9. A Ação Civil Pública, por ato de improbidade administrativa, in casu, objetiva a condenação dos demandados nas sanções do art. 12, incisos I, II e III, da Lei 8429⁄92, em razão da prática de atos descritos nos arts. 9º, caput; 10, caput; e 11, caput e inciso I, da mencionada lei, consubstanciado pelo pagamento de 02 (duas) diárias a servidor público no valor de R$ 375,00 (trezentos e setenta e cinco reais), a fim de possibilitar-lhe a participação nos eventos cognominados “Encontro de Estudos para o Desenvolvimento Auto-Sustentado por Regiões, referente a Micro, Pequena e Média Propriedade” e “Encontro de Entidades da Região Sul”, a serem realizados em Curitiba – PR, o qual, inobstante tenha recebido a quantia de R$ 375.00, consoante se colhe da Nota de Empenho autorizada pelo Prefeito Municipal em Exercício e, conquanto estivesse em Curitiba, não participou dos referidos eventos.
10. O Tribunal local, mediante ampla cognição fático probatória, assentou que:
(a) a conduta imputada ao demandado C. P. – recebimento de recursos públicos que não lhe eram devidos, no valor de R$ 350,00 reais – configura ato de improbidade administrativa, capitulado no art. 9º, inciso XI, da Lei nº 8.429⁄92, e, por isso, manteve incólume a condenação relativa à perda dos valores acrescidos ilicitamente (R$ 375,00); à perda da função pública; à suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de quatro anos; e ao ressarcimento do dano causado ao erário, na proporção de 1⁄6; reduzindo, apenas, a multa para três vezes o valor das diárias apropriadas indevidamente;
(b) a conduta imputada a E. O. M – inserção no cheque relativo à diária como beneficiário de pessoa que não constava na nota de empenho e não era servidor do Poder Executivo – configura de ato de improbidade administrativa, capitulado no art. 10, inciso I, da Lei 8.429⁄92, e, por isso, manteve incólume a condenação relativa ao ressarcimento do dano causado ao erário, na proporção de 1⁄6; reduzindo, apenas, a multa para duas vezes do valor das diárias;
(c) a conduta imputada a L. M. M., representado por seu espólio, – ao firmar nota de empenho referente às 02 (duas) diárias destinadas a custear a participação do Secretário da Agricultura em evento, E. Z., à míngua de pedido escrito do beneficiário, que se encontrava fora do Estado, para acompanhar a filha em tratamento médico (fl. 50) – configura de ato de improbidade administrativa, capitulado no art. 10, inciso I, da Lei 8.429⁄92, e, por isso, manteve incólume a condenação relativa ao ressarcimento do dano causado ao erário, na proporção de 1⁄6.
11. O espectro sancionatório da lei induz interpretação que deve conduzir à dosimetria relacionada à exemplariedade e à correlação da sanção, critérios que compõem a razoabilidade da punição, sempre prestigiada pela jurisprudência do E. STJ: RESP 664856⁄PR, Relator Ministro Luiz Fux, DJ de 02.05.2006; RESP 507574⁄MG, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 08.05.2006; RESP 513.576⁄MG, Relator p⁄ acórdão Ministro Teori Zavascki, DJ de 06.03.2006.
12. Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC/1973.
13. Recurso Especial parcialmente provido para: (a) afastar as sanções impostas ao demandado C. P, quanto à perda da função pública e à suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de quatro anos; mantendo incólume o ressarcimento do dano causado ao erário, na proporção de 1⁄6; e a multa civil correspondente a três vezes o valor das diárias apropriadas indevidamente; e (b) afastar as sanções impostas aos demandados E. O. M quanto ao ressarcimento do dano causado ao erário, na proporção de 1⁄6, e a multa de duas vezes do valor das diárias; e L. M. M., representado por seu espólio, quanto ao ressarcimento do dano causado ao erário, na proporção de 1⁄6 (Processo: REsp 980.706/RS Órgão Julgador: 1ª Turma do STJ Publicação: 23/02/2011 Relator: Min. Luiz Fux).
No caso do artigo 10, o STJ já firmou entendimento da necessidade de comprovação do dolo ou culpa do agente:
1. O ato de improbidade administrativa previsto no art. 10 da Lei 8.429/92 exige a comprovação do dano ao erário e a existência de dolo ou culpa do agente. Precedentes. (…)
3. A conduta culposa está presente quando, apesar de o agente não pretender o resultado, atua com negligência, imprudência ou imperícia. Nessa modalidade, há um defeito inescusável de diligência, no qual se comete um erro sobre a condição do agir ou sobre a consequência da conduta. A punição dessa prática justifica-se pela criação de um risco proibido ao bem jurídico tutelado. (Processo: REsp 1127143/RS Órgão Julgador: 2ª Turma do STJ Publicação: 03/08/2010 Relator: Min. Castro Meira)
Quanto ao artigo 11, o STJ se posiciona no sentido que basta estar presente o dolo genérico, entre outras características bem resumidas nesta ementa:
1. O Juízo de 1º grau julgou procedente o pedido deduzido em Ação Civil Pública por entender que os réus, ao realizarem contratação de serviço de transporte sem licitação, praticaram atos de improbidade tratados no art. 10 da Lei 8.429⁄1992. No julgamento da Apelação, o Tribunal de origem afastou o dano ao Erário por ter havido a prestação do serviço e alterou a capitulação legal da conduta para o art. 11 da Lei 8.429⁄1992.
2. Conforme já decidido pela Segunda Turma do STJ (REsp 765.212⁄AC), o elemento subjetivo, necessário à configuração de improbidade administrativa censurada nos termos do art. 11 da Lei 8.429⁄1992, é o dolo genérico de realizar conduta que atente contra os princípios da Administração Pública, não se exigindo a presença de dolo específico.
3. Para que se concretize a ofensa ao art. 11 da Lei de Improbidade, revela-se dispensável a comprovação de enriquecimento ilícito do administrador público ou a caracterização de prejuízo ao Erário(Processo: REsp 951.389 – SC Órgão Julgador: Primeira Seção do STJ Publicação: 04/05/2011 Relator: Min. Herman Benjamin).
A aplicação da Lei de Improbidade aos agentes políticos também já foi alvo de análise pelo STJ:
Excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4.º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza (Processo: Rcl 2.790/SC Órgão Julgador: Corte Especial do STJ Publicação: 04/03/2010 Relator: Min. Teori Albino Zavascki).
Quanto a aplicação das penas previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade, o STJ se posiciona no seguinte sentido:
Consoante a jurisprudência desta Corte, as penas do art. 12 da Lei 8.429⁄92 não são aplicadas necessariamente de forma cumulativa, do que decorre a necessidade de se fundamentar o porquê da escolha das penas aplicadas, bem como da sua cumulação, de acordo com fatos e provas abstraídos dos autos, o que não pode ser feito em sede de recurso especial, diante do óbice da Súmula 7⁄STJ (Processo: REsp 658.389/MG Órgão Julgador: 2ª Turma do STJ Publicação: 03/08/2007 Relator: Min. Eliana Calmon).
9. As Turmas que compõem a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça já se posicionaram no sentido de que, caracterizado o prejuízo ao erário, o ressarcimento não pode ser considerado propriamente uma sanção, senão uma conseqüência imediata e necessária do ato combatido, razão pela qual não se pode excluí-lo, a pretexto de cumprimento do paradigma da proporcionalidade das penas estampado no art. 12 da Lei n. 8.429⁄92. A este respeito, v., p. ex., REsp 664.440⁄MG, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJU 8.5.2006.
10. Mas a dogmática do ressarcimento não se esgota aí. Em termos de improbidade administrativa, onde se lê “ressarcimento integral do dano” deve compreender-se unicamente os prejuízos efetivamente causados ao Poder Público, sem outras considerações ou parâmetros.
11. Ora, a Lei n. 8.429⁄92 – LIA, em seu art. 12, arrola diversas sanções concomitantemente aplicáveis ao ressarcimento (não sendo este, frise-se, verdadeiramente uma sanção) e são elas que têm o objetivo de verdadeiramente reprimir a conduta ímproba e evitar o cometimento de novas infrações. Somente elas estão sujeitas a considerações outras que não a própria extensão do dano.
12. O ressarcimento é apenas uma medida ética e economicamente defluente do ato que macula a saúde do erário; as outras demais sanções é que podem levar em conta, e.g., a gravidade da conduta ou a forma como o ato ímprobo foi cometido, além da própria extensão do dano. Vale dizer: o ressarcimento é providência de caráter rígido, i.e., sempre se impõe e sua extensão é exatamente a mesma do prejuízo ao patrimônio público.
13. A perda da função pública, a sanção política, a multa civil e a proibição de contratar com a Administração Pública e de receber benefícios do Poder Público, ao contrário, têm caráter elástico, ou seja, são providências que podem ou não ser aplicadas e, caso o sejam, são dadas à mensuração – conforme, exemplificativamente, à magnitude do dano, à gravidade da conduta e⁄ou a forma de cometimento do ato – nestes casos, tudo por conta do p. ún. do art. 12 da Lei n. 8.429⁄92. A bem da verdade, existe uma única exceção a essa elasticidade das sanções da LIA: é que pelo menos uma delas deve vir ao lado do dever de ressarcimento. Retornar-se-á mais adiante ao ponto.
14. Na verdade, essa criteriosa separação torna-se mais imperiosa porque, na seara da improbidade administrativa, existem duas conseqüências de cunho pecuniário, que são a multa civil e o ressarcimento. A primeira vai cumprir o papel de verdadeiramente sancionar o agente ímprobo, enquanto o segundo vai cumprir a missão de caucionar o rombo consumado em desfavor do erário(Processo: REsp 622.234/SP Órgão Julgador: 2ª Turma do STJ Publicação: 15/10/2009 Relator: Min. Mauro Campbell Marques – grifei).
Prescrição
As ações que visam o ressarcimento ao erário são imprescritíveis, ao contrário da aplicação das demais penalidades, cuja prescrição é de 5 anos, conforme esclarece o STJ:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IMPRESCRITIBILIDADE. ART. 37, § 5º, DA CF. APLICAÇÃO DAS PENALIDADES. PRAZO QUINQUENAL. DIES A QUO. TÉRMINO DO MANDATO DE PREFEITO. RECURSO PROVIDO.
1. “As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança” (art. 23 da Lei 8.429⁄92).
2. “…se o ato ímprobo for imputado a agente público no exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, o prazo prescricional é de cinco anos, com termo a quo no primeiro dia após a cessação do vínculo” (REsp 1.060.529⁄MG).
3. In casu, não há falar em prescrição, de forma que subsiste para o ora recorrente o interesse em ter o mérito da ação civil pública analisado.
4. O art. 37, § 5º, da CF estabelece a imprescritibilidade das ações visando ao ressarcimento ao erário em decorrência de ilícitos praticados.
5. O comando constitucional não condicionou o exercício da ação à prévia declaração de nulidade do ato de improbidade administrativa.
6. Certamente, só há falar em ressarcimento se reconhecida, concretamente, a ilicitude do ato praticado. Entretanto, esse reconhecimento não prescinde de declaração de nulidade, conforme entendeu o Tribunal a quo. Assim fosse, tornar-se-ia letra morta o conteúdo normativo do art. 37, § 5º, da CF se não ajuizada no prazo legal a ação.
7. O prazo estabelecido no art. 23 da Lei 8.429⁄92 se refere à aplicação das sanções, e não ao ressarcimento ao erário.
8. O ressarcimento não constitui penalidade; é consequência lógica do ato ilícito praticado e consagração dos princípios gerais de todo ordenamento jurídico: suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu), honeste vivere (viver honestamente) e neminem laedere (não causar dano a ninguém).
9. Recurso especial provido para determinar o retorno dos autos à primeira instância para análise do mérito (Processo: REsp 1028330/SP Órgão Julgador: 1ª Turma do STJ Publicação: 12/11/2010 Relator: Min. Arnaldo Esteves Lima).
No mesmo sentido, o TJ/SP se pronunciou na apelação 9110999-52.2009.8.26.0000 (12ª Câmara de Direito Público, jul. 31/08/2011).