Teoria da aparência

Fundamentos jurídicos

Comentários

A teoria da aparência (Rechtschein Theorie) consiste na atribuição, pelo Direito, de valor jurídico a determinados atos, que em princípio não teriam validade, mas que devem ser considerados válidos para proteger a boa fé e a condução habitual dos negócios[1].

Uma pessoa é tida, não raras vezes, como titular de um direito, quando não o é, na verdade; aparenta ser portadora de um valor ou um bem, agindo como se fosse proprietária, por sua própria conta e sob sua responsabilidade; mas na verdade não representa o verdadeiro titular, e nem se encontra gerindo os negócios alheios.

Assim, são produzidas declarações de vontade que não correspondem à realidade. Firma-se, v.g., a cessão de um direito como seu, levando o cessionário à convicção honesta de que adquire direitos. Surge uma situação de fato cercada de circunstâncias tais que o contratante de boa-fé é levado a tomar como válidos os atos assim praticados[2].

A teoria da aparência, conforme Arnaldo Rizzardo:

As relações sociais se baseiam na confiança legítima das pessoas e na regularidade do direito de cada um. […] A presença da boa-fé é requisito indispensável nas relações estabelecidas pelas pessoas para revestir de segurança os compromissos assumidos. […] É o que se denomina teoria da aparência, pela qual uma pessoa, considerada por todos como titular de um direito, embora não o seja, leva a efeito um ato jurídico com terceiro de boa-fé. Ela se apresenta quando os atos são realizados por una persona enganada por una situación jurídica que es contraria a la realidad, pero que apresenta exteriormente las características de una situación jurídica verdadera (José Puig Brutau, Estudos de Derecho Comparado, La Doctrina de Los Actos Propios, Ed. Ariel, Barcelona, 1951, pág. 103). […] Esta a razão que leva a se atribuir valor ao ato perpetrado por alguém enganado por uma situação jurídica contrária à realidade, mas revestida exteriormente por características de uma situação jurídica verdadeira. Quem dá lugar a uma situação jurídica enganosa, ainda que sem o deliberado propósito de induzir a erro, não pode pretender que seu direito prevaleça sobre o direito de quem depositou confiança na aparência. […] No entanto, a necessidade de ordem social de se conferir segurança às operações jurídicas, amparando-se, ao mesmo tempo, os interesses legítimos dos que corretamente procedem, impõe prevaleça a aparência do direito. […] ( Teoria da aparência . Ajuris n. 24. p. 222 e seguintes apud Processo: AC 683021 SC 2009.068302-1 Órgão Julgador:  T3ª Câmara de Direito Comercial do TJ/SC Publicação: 29/03/2011 Relator: Marco Aurélio Gastaldi Buzzi).

Aplicação no Direito Civil

AGRAVO DE INSTRUMENTO – ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – REJEIÇÃO – EMPRESA INTEGRANTE DO MESMO GRUPO – APLICAÇÃO DA TEORIA DA APARÊNCIA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
“‘Demonstrado nos autos que a ação foi proposta equivocadamente contra empresa do mesmo grupo, tendo os mesmos sócios, o mesmo nome de fantasia, estabelecida no mesmo endereço e com semelhança na atividade econômica, é possível a simples retificação do nome da parte verdadeiramente legítima, dispensada a renovação do ato citatório se a defesa foi exercitada amplamente. Restando induvidosa a confusão entre as duas pessoas jurídicas e que do equívoco não resultou qualquer prejuízo à defesa, não se justifica a renovação da citação, aplicando-se, à hipótese vertente, a teoria da aparência, que, segundo Orlando Gomes, se justifica ‘(…) para não tornar mais lenta, fatigante e custosa a atividade jurídica’ (Transformações Gerais do Direito das Obrigações. SP. RT, 1967, p. 96). Aplica-se a teoria da aparência e a doutrina do disregard, na hipótese de apresentarem-se ao público e à clientela duas ou mais empresas como uma única empresa, ainda que do ponto de vista técnico-jurídico sejam pessoas jurídicas distintas, não se confundindo (STJ, REsp. 24.557-0-RS)’ (AC no 47.154, Des. Pedro Manoel Abreu)” (AI n. 98.015870-2, Des. Newton Trisotto). (Processo: AI 195982 SC 2002.019598-2 Órgão Julgador:  Segunda Câmara de Direito Civil do TJ/SC Publicação: 06/02/2003 Relator: Mazoni Ferreira)

Contrato – Teoria da aparência de direito. Ajuste firmado em nome de pessoa jurídica por quem tinha poderes outorgados por procuração pública. Poderes bastantes para firmar contratos, emitir cheques, autorizar débitos. Limitação aos poderes de gerência que não pode ser oposta a terceiros de boa-fé. Ato praticado para assinar nota promissória. Validade. Carência da ação por ilegitimidade passiva ad causam afastada. Recurso provido para este fim (1ºTACSP, 5ª Câm. – Rel. Sebastião Alves Junqueira – Ap. 1.153.536-5 – j. 26/2/2003; v.u. – BAASP, 2365/861-e, de 3/5/2004).

Aplicação no Direito Comercial

Duplicata. Compra e venda mercantil. Mercadoria recebida na sede da empresa por funcionários. Alegação de falta de poderes de representação. Teoria da Aparência. Não ofende os arts. 17 do Código Civil de 1916 e o art. 144 da Lei nº 6.404, de 15.12.1976, o julgado que, em face das circunstâncias da causa (recebimento da mercadoria na sede da compradora por seus funcionários, com a participação do ‘supervisor de vendas’) dá prevalência à boa-fé da vendedora e à ‘teoria da aparência’, em oposição ao aspecto meramente formal (empregado desprovido de poderes de representação) (STJ, 4ªT. – Rel. Barros Monteiro – REsp 135306/SP – j. 07/10/2003 – DJ 19/12/2003, p. 465.)

Aplicação no Direito Digital

DANO MORAL. ANÚNCIO. INTERNET. Trata-se de ação de indenização por danos morais devido a anúncio em página da internet de conteúdo ofensivo à imagem e à honra da autora, oferecendo programa sexual com fotos atribuídas a ela. O juiz deferiu liminar determinando que o provedor retirasse a página, sob pena de multa diária de R$ 200,00. Contra essa decisão, o provedor opôs agravo de instrumento, argüindo a impossibilidade técnica e jurídica para cumprir a obrigação por serem necessários procedimentos imputados à empresa controladora estrangeira, uma vez que o site foi criado por usuário, utilizando-se de ferramenta oferecida pela empresa controladora. Apesar desses argumentos, o Tribunal a quo manteve a liminar com base no art. 28 do CDC, com amparo na Teoria da Aparência. Assim, o cerne da questão cinge-se à possibilidade da aplicação dessa teoria, tendo em vista que o CDC somente fala em responsabilidade subsidiária de participante do mesmo grupo econômico, e não em responsabilidade direta. Concluiu o Min. Relator que, como o provedor no Brasil apresenta-se com a mesma logomarca da empresa estrangeira e que, ao acessá-la na rede mundial, abre-se o endereço na página do provedor no Brasil. Isso faz o consumidor não distinguir com clareza a divisa entre as duas empresas, uma aparenta ser a outra, portanto deve responder pelos riscos. Além de que tem o consumidor direito à facilitação da defesa de seus direitos, bem como à efetiva reparação dos danos morais experimentados. A empresa nacional, portanto, tem legitimidade passiva para responder à ordem judicial, não sendo razoável impor à autora o ônus de demandar contra a empresa internacional, mormente pela demora que acarretaria, a agravar-lhe o sofrimento moral. Ressaltou ainda que o juízo a quo facultou, na impossibilidade técnica, que o provedor adotasse procedimentos na sua controladora, uma vez que pertencem ao mesmo grupo econômico. Com esse entendimento, a Turma não conheceu do recurso, mantendo a decisão recorrida (REsp 1.021.987-RN, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 7/10/2008).

Aplicação no Direito do Consumidor

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – CONTRATO PARA UTILIZAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO, OBTIDO ANTE O SISTEMA DE PONTOS DOS SUPERMERCADOS ANGELONI – SENTENÇA ACOLHENDO O PEDIDO.

INSURGÊNCIA DA DEMANDADA – 1. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – REJEIÇÃO – APLICAÇÃO AO CASO DA TEORIA DA APARÊNCIA – REDE DE SUPERMERCADOS QUE, FAZENDO USO DE SEU NOME E DE SEU PRESTÍGIO, INCENTIVA CONSUMIDORES A ADQUIRIREM SEUS PRODUTOS , MEDIANTE PLANO DE VANTAGENS DECORRENTES DO USO DE CARTÃO DE CRÉDITO A SI VINCULADO, DETÉM LEGITIMIDADE PARA EXIBIR EM JUÍZO DOCUMENTOS REFERENTES AO CONTRATO CORRESPONDENTE, MORMENTE EM RAZÃO DA INEGÁVEL PARCERIA HAVIDA COM A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – 2. IMPOSSIBILIDADE DE COMINAÇÃO DE ASTREINTES EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA ORDEM, ANTE A EXISTÊNCIA DE SANÇÃO PROCESSUAL ESPECÍFICA (ART. 359 DO CPC/1973)- 3. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (Processo: AC 683021 SC 2009.068302-1 Órgão Julgador:  T3ª Câmara de Direito Comercial do TJ/SC Publicação: 29/03/2011 Relator: Marco Aurélio Gastaldi Buzzi).

 

Consórcio. Teoria da Aparência. Publicidade. Responsabilidade civil. Legitimidade passiva A empresa que, segundo se alegou na inicial, permite a utilização da sua logomarca, de seu endereço, instalações e telefones, fazendo crer, através da publicidade e da prática comercial, que era a responsável pelo empreendimento consorcial, é parte passiva legítima para responder pela ação indenizatória proposta pelo consorciado fundamentada nesses fatos ) (STJ 4ªT. – Rel. Ruy Rosado de Aguiar – REsp 113012/MG – j. 18/03/1997 – DJ 12/05/1997, p. 18819; RSTJ, n. 100, p. 215; RT, n. 744, p. 204)

 

Teoria da Aparência. Investimento. Agente captador de recursos. Terceiro de boa-fé. Comprovado que o emitente do recibo de aplicação no mercado financeiro era notoriamente agente autorizado a captar recursos para aplicar em certa instituição financeira, responde esta pelo desvio do numerário, uma vez que a teoria da aparência protege o terceiro de boa-fé (STJ 4ªT. – Rel. Ruy Rosado de Aguiar – REsp 276025/SP – j. 12/12/2000 – DJ 12/03/2001, p. 148; RSTJ, n. 147, p. 339).

Aplicação no Processo Civil

EXTINÇÃO PROCESSUAL – Ação de Cobrança – Necessidade de prévia intimação pessoal da parte – Carta recebida por funcionário do setor administrativo da autora – Aplicabilidade da Teoria da Aparência – Petição formulada pela pelante (fls 118) sem qualquer pedido específico ao regular andamento do feito –  Inércia da recorrente em evidente desinteresse processual – Decreto de extinção mantido – Recurso não provido (Processo: APELAÇÃO 7.304.961-7 voto 9767 Órgão Julgador:  17ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP Publicação: 01/12/2008 Relator: Des. Wellington Maia da Rocha)

 

Referência

  1. Disponível em:http://www.pobrevirtual.com.br/default/pr_juridico_resp.php?id=471 Acesso em: 03/12/2010
  2. CHAMONE, Marcelo Azevedo. Teoria da aparência. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/9137/teoria-da-aparencia Acesso em: 03/12/2010